sábado, 30 de julho de 2011

A ténue névoa do mar


A ténue névoa do mar

Queria abrir-me  as túas palavras.
Tinha vontade da túa lígua sonora enredando nos meus beiços no tempo que ensarilhava entre os dedos os argaços do teu cabelo, nevado pelos teus 500 anos recém-cumpridos, e a xanela aberta de par em par à noite de maio deixando entrar aromas do jacarandá do jardim e terra molhada por uma chuvia miúda acabada de caer.
As palavras voavam sozinhas nas asas do vento dende a túa boca fechada até os meus oídos, grávidos do som harmonioso do mar de Sintra e do teu riso irreal recreado nos meus sonhos, quando eu te pedía com insistência
-Fala-me do mar de Vigo. Fala-me...
-O mar. Os mares, eles, são todos o mesmo, são todos iguais.
E a túa voz doce e jovial fluia coma um rio de vinho quente, mas eu oia-a lonxana, apenas um eco  retumbando na minha cabeça apoiada no teu peito  salgado.
Sentia pena da túa mala perpetua, quase formando parte de ti, mas ao querer compadecer-me da túa vida errante pronunciava sempre
-Tu tens tão bonito nome...
quando em verdade quissera dizer em tua face que me magoavas , sempre a cavalo do mar. Tu lias entom meus pensamentos
-Verde, quero-te verde, verde vento, verdes ramas. O cavalo sobre o mar e o barco na montanha- sussurravas com um sorriso- Eu não sou um emigrante, o mar é todo o mesmo, este é o mesmo mar de Vigo, e da Islândia. Estexa onde estexa, no mar sempre estou na minha casa.
Mas eu projetava em ti as limitações de quem não pode  deixar a mesma casa em que nasceu e medrou
-Esta casa é a minha mala...
e  caía na conta de que  também ti podias sentir mágoa de mim
-O mundo é máis grande do que Sintra...
E os teus dedos coma brincos saltaricando entre
 - ...e máis alá desta casa também há vida,
os meus peitos de escuma, serpenteando distraídos até o meu embigo aberto
- se estás disposta para a viver
e as pernas que eu cruzava ponhendo-me á denfensiva
-Tu também vives uma vida normal
-O normal é o máis extraordinario
no tempo que tu recolhias quatro coisas que metias de qualquer jeito numa mochila  amolecida por tantas águas.
A minha Galiza era muito pequena. Limitava-se ao Gêres, a Lobios e aos seus arredores, mais uma viagem a Verim e Laza pelo entrudo e certamente nunca olhara o seu mar fóra dos teus olhos.
A minha Galiza so tinha dois rios, O Caldo e o Limia, ningúm mar bravo ao que olhar quando  se apodera de um a saudade , e estando perto de um tão grande, estranhava o meu de Lisboa, cansada das noites frías da Raia é que desejava o abraço morno, ainda invernal, do meu océano azul, e o beijo húmido das súas tardes nevoentas que me ofrecíam tanta beleza.
Pronto perdim o mar, o mar de Vigo, que cheguei a ver, não dende a costa, mas dende os teus olhos. E ainda alguma vez, dende que cheguei a ve-lo, me traias o seu recendo, agochado no teu cabelo encaracolado.
E não confesso, porque não posso me permitir ser débil, que sentí inveja de cada onda porque elas podíam te acompanhar na singradura.
E foste embora com a túa mochila, ainda agardando a que eu dissesse “Vem” e dizia para mim própria “Vem-te quando for, meu coração, que eu te espero” mas calava, pensando que a confessão é sempre um ato de debilidade. As almas fortes sofrem o seu tormento e soportam sozinhas a súa dor.
E buscando ofender-te, repetía a meia voz o ditado que me ensinara a minha avó “Se galego, marinheiro, amolador ou canteiro”.
*
 E por volta do outono, chegou o inverno, e meus olhos seguian cheios da luz de maio que te banhava quando tu, espido, pousavas na minha cama.
E o inverno ainda trouxo noites negras e dias claros, e outro barco estrangeiro  que aportou a tarde daquela terça mentres eu me entretinha  paseando pelo porto.
-Ainda fica longe a madrugada....
e acendeu o cigarro que eu lhe achegava.
-Certo, meninho, e pagaria quanto vale seu barco se o sol fissese desta noite clara.
-Eu, por contra, gosto mais das noites que não acabam
-Tu ainda não es marinheiro, apenas  um aprendiz.
e chisquei um olho cúmplice e provocante e quase me equivoco e cometo o erro de lhe dar explicações do meu desejo incontido, mas a chuvia fria fisse que eu correse a me gorecer, o vestido de flores lilás pegado ao corpo, o cabelo revolto e secando a cara com um pano, num copo sempre cheio, entre músicos incapazes de lhe por letra ao meu fado, e com a voz da gitarra facendo-me estourar as têmporas, para descubrir que a esperança está aboiando na escuma da cerveja fresca, mas a cura da tristeza raramente se agocha no fundo do copo, por mais que eu me mergulhasse  em ele para apanhar um nome tão lindo coma o que perdera contigo, e aos meus ouvidos nada havía tão musical coma o som que produzia  minha língua quando te chamava, sem acreditar que alguém gostasse doutro nome que não for Ugio.
Um louro de nariz longo falou-me ás costas e espertou-me do meu sonho
-Sozinha é que se bebe melhor
Dei volta para ve-lo. Reconhecin-o. Morava perto do Hospital de São Jose. Ainda não fazia dois dias que o vira brincando com uma criança descalça e coa barriga ao aire que levava na mão uma banana. E essa imagem era toda em branco e preto na minha memoria exceto a banana, que refulgia de tão amarela.
Alcei o copo
-Mas também gosto de beber em companhia
convidando-o a se achegar.
Tinha o cabelo muito fino e bastante longo, e um pano estampado no colo, que prentendia ocultar uma cicatriz que lhe corria de um ao outro lado
-As guerras estão por todas partes, e as súas feridas também
disse apertando o pano e sorriu pudoroso.
E a noite segiu escoando-se em chuvia até nos achegar um amencer translúcido, aquoso, húmido, que acabou por fazer calar a fadistas e guitarras,
-Tu não es marinheiro, né?
-Não, tenho medo da água, e lavo-me em tina pequena, mas posso pintar o mar, e retrato a alma deles em forma de barcos senlheiros  perdidos no horizonte.
-Es moi engraçado quando queres
-E tu não ris a miudo, mas tens uma linda risa.
-Gosto de que não sejas marinheiro, mas também gostaria se te deixaras chamar asim
-Queres me chamar marinheiro?
-Quero. Qual é teu nome?
-Gonçalo.
-Ai, Gonçalo. Marinheiro galego, tu tens tão bonito nome...

3 comentários:

Ricardo Souto Morano disse...

moi lindo María, sáeche o talento polos dedos deseguido, saudos

pitty disse...

Obrigada, monsieur Ricardo pela sua alabança e pela leitura.

Ricardo Souto Morano disse...

A leitura Cando lle gusta a ún produce placer, e faino para satisfacerse asi mesmo, non des grazasglicab